LEMBRANÇAS

Dinir fez uma onça esculpida na caxeta/ Aquilo era tudo para nós que era minino/ Aristide dançava xote com sapato carrapeta/ E nos cantávamos hino para Dona Maria Filisbino. Nossa casa era um abrigo para tudo quanto é mata/ E as goiabeiras deitavam e se ajustavam a nossos pés/ Essas lembranças são centelhas que a gente arrebata/ E vai engolindo diante da dureza do revés. Bastico era um mascate lá de Cedro, gente nossa / Minha mãe comprava dele alguns metros de fazenda/ Meu pai tinha nas mãos um cetro poderoso/ Porque jamais morria alguma coisa que plantava. Tio Marco descia o morro assobiando uma toada/ Depois sentava na sombra de um Chapéu de sol/ Uma vista fraca e a calça arregaçada/ Mas patrocinava alegre o nosso futebol. Minha tia Cida de compadre Zé Bruno/ Morava nas terras de Alecrim/ Quando o trem avisava com um apito soturno/ Ela nos contava histórias com sua alegria sem fim. Ico lia-nos gibis de heróis e nos falava do cinema do Fritz/ Charlton Heston nos Dez mandamentos,/ Joel Mc Crea em Pistoleiros do entardecer,/ E Johnny Weiss Muller era o fantástico Tarzan. Pros fundos de nossa casa passava um ribeirão/ Daíca filho de finado Gusto Amâncio e de Tia Maria/ Irmão de Joãozinho, Tuto, Zé Amâncio e Cote/ Ensinou eu e Claudio a armar um covo e bater peneira/ Disse que para aprender a nadar / Tinha que engolir um peixinho vivo... Tio João Tié de Inha Berduína era um Negro de elegância/ Tinha uma voz grave, porém calma, serena/ Sempre com seu chapéu de feltro/ Minha mãe o tratava por Tiézinho,/ E nós criança sempre que ouvíamos seu nome/ Imaginávamos o passarinho saltitante nas ramas de capim. Meu Tio Corné morava num outeiro também em Alecrim/ Cercado de jabuticabeiras, jaqueiras e jambos/ Da ponteira das árvores via-se a curva do rio Itariri/ Onde pescávamos nas pedras enormes cascudos/ No dia em que Inhá Basta morreu/ O céu se fechou de cinza escuras/ No dia em que Inhá Basta morreu, choveu/ E um vento intempestivo varreu.../ Finado Joaquim Lourenço tinha um recanto/ Entre ameixeiras, gravioleiras e um pessegueiro/ Havia algumas palmeiras e dracenas de canto/ Enquanto um batia palma outro furtava ligeiro/ Kinho era irmão de Zinho, Bel, Dirce, Dalva mãe de Bico/ Pescávamos sempre numa revessa no São Lourenço/ seu sorriso seu trejeito até hoje eu identifico/ como a saudade tece uma trama um fio imenso. Meu tio Landulfo era um negro bamba/ Ensinou Atamiro a tocar violão/ Era negro seresteiro e de rodas de samba/ Mas nos deixou uma fagulha, uma paixão. Minha Avó Inhá Áurea entregou sua a vida a servir/ Engomando, lavando, passando e cozinhando/ Assim criou seus filhos com toda dignidade de pobre/ Mal sabe ela que vive no tempero de suas netas... Meu avô Sió Paulo Vitor era negro curador/ Sempre a frente de seu tempo“... ah! como é formoso, é generoso o proceder da mocidade/ Tão brilhantemente ,glorifica, glorifica a liberdade...” Nunca pude agradecê-lo por ter me emprestado seus versos./ Não deveriam doer as lembranças/ Elas são as chamas vivas da memória/ Que interagem e assanham como crianças/ Procurando cada qual um cantinho na história. Julio Cesar costa... JULIO C COSTA