Cigarras

-Meu bom senhor
o que me sucumbe agora
sobre a seiva desta urtiga?
-Meu jovem
são tristonhos pássaros
recarregáveis, espatifados em seu jardim.
-Meu bom senhor
apanhe-os para mim antes que havera primavera.
-Meu jovem
não irão partir,
irão brotar, sim!
e logo após as primeiras gotículas de plânctons, 
dissolve-se a maquiagem
sobre frenéticos raios lunares
e evaporarão em fragmentos deltas.
assim sendo poderão massificar-se
em novas harpias invictas e audazes.
-Quanto sabeis de pássaros?
sabeis de ti?
-Venho de longe
sou a sua passagem sobre as esponjas
esse oceano em natura que invades
sou o cetro deste teu cedro
Mas quem lembra-se de mim?
pousado nesta fruta sem carne
sou o lodo que do lado lodo lido
que lida o lodo

Renato cavalheiro
início dos anos 90

Escrava Maria

Era ela que derrissava os cafezais,
gerava ao seu senhor,
doava o peito aos inocentes.
Açoitada, acuada.
Um sorriso no rosto
uma paz nos olhos
escravizada de dor
liberta pelo amor
Pulava corda, pulava o tempo,
pilava o chão.
Abria covas, plantava os corpos
de seus irmãos
Dormia fora, quando dormia, quando podia, junto aos cães
Eles ladravam por coisa à toa
Ela acordava pela garoa
batia poeira, surrava cancera
se punha a caminho, torrando farinha, fazendo biju,
torrando café, fazendo sabão, guiada na fé
Em seu coração.
cantava pra sorte
cantava pras matas
cantava ao vento
Maria escrava.
Patrão não sabia
que o dia era ela
ela era o dia
e que ele sem Maria, o dia não nasceria
se o rio se secasse, Maria molhava
se a vida faltasse, Maria doava
se um cão se alongasse, Maria trazia
se o almoço sobrasse, faltava Maria
se este não desse, Maria apenas doía, vazia
Mas a noite tão fria
o sereno chorava
Maria encolhia
Lutou com o frio, feria e feriu
que lhe abraçava, se enrolava, em carinhos frios
Ela então aderiu.
Morria Maria
e que falta que fez
que falta que faz
a paz que partiu
foi-se embora e sumiu.
Cachorro alongou
sabão não se fez
sinhá não mamou
nem flor se abriu
patrão ressentiu
agarrou-se ao corpo
vestida em sacos
no meio das cinzas
Chorou e gritou, até ecoou
adentro da casa
adentro do peito de casca sem alma
de Raimundo Cipó.
Que rio que era Maria!!!
a água que brotava, traduzida em cantoria
Maria escrava
já amortecida
na barra da serra
do Ribeirão das Palmeiras
junto a seu povo
junto de seus filhos e de seus irmãos
no vale de nosso Ribeira

Renato Cavalheiro
setembro de 2011

VIOLADA E PÃO

Violada e Pão uniu arte, poesia e música em Miracatu “Como todos sabemos, a música nos une, nos aproxima e nos alegra. O pão também é símbolo da solidariedade e união, por isso, violada e pão, duas linguagens universais. A roda de viola gira como a roda viva, roda gigante, nos unindo, nos divertindo. O trabalho de arte de Oswaldo Matsuda, somado à arte da viola, multiplica e, assim , reparte com os violeiros, o festejo. Viva a vida, a viola e o pão”, Martins. Miracatu – A arte do artista plástico e professor Oswaldo Matsuda, a viola de antigos violeiros e a poesia do grupo Simpamitatu – formado por Martins, Edson Feitosa e Nestor Rocha - integraram no sábado 26/11, o Violada e Pão, realizado no Bar do Elias, no bairro Melamico. A violada ficou por conta das apresentações dos violeiros e cantadores: Ari da viola, Claudinei (Cabrinha), Elias, Carlinhos, Zé Felix, Dito Caetano, Dino, e outros. O “Pão” do título ficou por conta da obra de arte de Osvaldo Matsuda, 50 pães no espeto formando um aglomerado com amplo significado. Todos poderiam saboreá-lo ou também saborear o texto de Martins sobre viola, poesia, pão e vida. Na festa cultural, também estiveram presentes os poetas Marcelo Plácido, Chica da Mata e outros que integram a conexão poética entre Sete Barras e Miracatu. Os organizadores – Simpamitatu- agradecem ao Elias, população de Melamico, cantadores, tocadores e público pela presença. Por Marcia Colla