Era ela que derrissava os cafezais,
gerava ao seu senhor,
doava o peito aos inocentes.
Açoitada, acuada.
Um sorriso no rosto
uma paz nos olhos
escravizada de dor
liberta pelo amor
Pulava corda, pulava o tempo,
pilava o chão.
Abria covas, plantava os corpos
de seus irmãos
Dormia fora, quando dormia, quando podia, junto aos cães
Eles ladravam por coisa à toa
Ela acordava pela garoa
batia poeira, surrava cancera
se punha a caminho, torrando farinha, fazendo biju,
torrando café, fazendo sabão, guiada na fé
Em seu coração.
cantava pra sorte
cantava pras matas
cantava ao vento
Maria escrava.
Patrão não sabia
que o dia era ela
ela era o dia
e que ele sem Maria, o dia não nasceria
se o rio se secasse, Maria molhava
se a vida faltasse, Maria doava
se um cão se alongasse, Maria trazia
se o almoço sobrasse, faltava Maria
se este não desse, Maria apenas doía, vazia
Mas a noite tão fria
o sereno chorava
Maria encolhia
Lutou com o frio, feria e feriu
que lhe abraçava, se enrolava, em carinhos frios
Ela então aderiu.
Morria Maria
e que falta que fez
que falta que faz
a paz que partiu
foi-se embora e sumiu.
Cachorro alongou
sabão não se fez
sinhá não mamou
nem flor se abriu
patrão ressentiu
agarrou-se ao corpo
vestida em sacos
no meio das cinzas
Chorou e gritou, até ecoou
adentro da casa
adentro do peito de casca sem alma
de Raimundo Cipó.
Que rio que era Maria!!!
a água que brotava, traduzida em cantoria
Maria escrava
já amortecida
na barra da serra
do Ribeirão das Palmeiras
junto a seu povo
junto de seus filhos e de seus irmãos
no vale de nosso Ribeira
Renato Cavalheiro
setembro de 2011