O BARQUINHO DE OURO

Após muita chuva, muita chuva, o morro descascava como uma pera podre, a casca do morro despencava mostrando as entranhas avermelhadas, que se destacavam na paisagem bizarra de algumas casas destroçadas, plásticos pretos, arbustos, matos, lixos e gente. Gente apreen­siva tentando salvar roupas, móveis, documentos e outras coisas pessoais. A chuva havia amainado um pouco. Indiferente a tudo o menino brincava com um barquinho de papel feito com uma folha de caderno numa pequena vala onde havia água de chuva represada. Uma mulher gordinha, cinzenta e baixinha gritava:
− Ei Pê! Ei Pê! Cadê você?
O menino ouvia e nem ligava, concentrado que estava no seu afa­zer lúdico.
− Ei, moleque! Responda! Cadê você?
A mulher gritava, praguejava... O menino continuava brincando no laguinho barrento e momentâneo. Barulho de trovões anunci­ava que logo a chuva voltaria a castigar em derredor. A mulher preocupada principiou a descer o morro. Um clarão, um estalo forte... Uma sobra desta atividade natural atingiu o barqui­nho, defle­tiu no barquinho e atingiu o menino. Atingido pela sobra do raio defletido, o menino desmaiou.
− Ei, Pê! Pê! Cadê você?
Embora não houvesse testemunhado a ocorrência, a mulher viu quase em seguida o menino desmaiado próximo da vala. Correu deses­perada­mente a ponto de deslizar no chão lamacento e liso. Rapidamente se apro­ximou do menino desmaiado.
− Ai, Pê! Pê!
O menino mexeu a cabeça. Estava zonzo. Tornou a aquietar-se. Jun­tou gente no local. Alguém pegou o menino no colo e saiu correndo em direção a uma ambulância que ocasionalmente passava por ali. O menino foi socorrido, mas estava bem. Foi levado para um hospital para exames por precaução. Definitivamente o menino estava bem!
Assim a tempo das chuvas passou. Aquela comunidade recupe­rou-se da atual calamidade. A vida retornou ao normal, menos para Pê (Peter - ler Peter e não Piter) e sua família que tiveram que se mudar para outra locali­dade, mais distante do centro urbano e para uma casa menor, um cômodo só para cinco pessoas. Vida dura a de Peter e sua família (ele, a mãe, duas irmãs menores e uma irmã mais velha). O pai já havia mor­rido soterrado em outra calamidade dois anos antes desta (em outro local próximo dali) tentando salvar uma criança.
As dificuldades para sobreviver certamente levariam aqueles mo­mentos preciosos de brincadeiras com um barquinho de papel da me­mória se Peter não tivesse conseguido adquirir uma estranha habilidade. Conse­guia do nada, fazer barquinhos de papel. Um dia (quando suas irmãs esta­vam ausentes) mostrou esta habilidade a sua mãe.
− Mãe veja o que eu sei fazer! E sem nada na mão!
A mãe prestou atenção um tanto impaciente. Finda a de­mons­tração resmungou:
− Só isso! Barquinho de papel pra que serve? Melhor que usasse como folha de caderno mesmo, mas filho, você não gosta de escrever. Ainda se fosse um bar­quinho de ouro... Daí, nós poderíamos sair desta pobreza...
Peter ficou chateado, mas continuou aperfeiçoando discretamente esta habilidade pela vida adiante. Descobriu que seus barquinhos pode­riam ser desdobrados e transformados em folhas de cadernos nova­mente. Me­nino de origem muito pobre tirou grande proveito desta dá­diva sem prejuízo para a natureza que agradecia compadecida.
Desta maneira, Peter (talvez, não nesta ordem) estudou, cresceu, se graduou, se estabeleceu, fez fortuna, tirou a família da pobreza, ca­sou, constituiu sua família, se tornou cidadão respeitado... Mas continuou aper­feiçoando sua habilidade de fazer do nada barquinho de papel de folha de caderno. Conseguia por exemplo fazer um barquinho de papel em tal velo­cidade que desdobrava intacto sem qualquer vinco uma folha nova em fo­lha. Peter só usava deste papel sem prejuízo para a natureza em sua em­presa que agradecia compadecida.
Finalmente, Peter muito rico e importante deu uma festa de ani­versá­rio para sua já bem idosa mãe. O presente de Peter para a sua mãe foi um barquinho de ouro. Quando a mãe de Peter viu o barquinho de ouro arregalou os olhos balbuciando:
− Filho...
Peter achando que entendia o espanto da mãe explicou:
− Mãe, eu mandei fazer de ouro uma folha bem fina e flexível no ta­manho de uma folha de papel de caderno e gastei para tanto uma boa for­tuna, que hoje não me faz falta, dobrei no formato de um barquinho de pa­pel, pois eu sabia desde criança que era um presente que a senhora muito desejava ganhar...
Continuou explicando concluindo:
− É que nunca consegui do nada fazer um barquinho de ouro!
− Filho...
− Hum? O quê? Mãe?
− Finalmente acordou! Você está bem filho! Foi só um susto!
− Onde estou?
− No hospital! Mas, já está bem!
− Mãe e o barquinho de ouro?
− Barquinho? Ah, o barquinho...
A senhora remexeu nos seus pertences e retirou um papel todo amas­sado e bem chamuscado, comentou:
− É o que sobrou do barquinho. Acho que ele recebeu a maior parte do choque, mas filho, você está bem! O barquinho te ajudou!
− Barquinho de ouro!
− É filho, é um barquinho de ouro!
− Mãe a senhora tem um lápis?
− Tenho! Mas você não gosta de escrever...
− Eu gosto! Agora eu gosto!
A senhora remexeu novamente nos seus pertences.
− Achei! Tome!
− Mãe me empresta o barquinho?
A mãe aquiesceu. O menino desamassou e alisou o mais que pôde o papel chamus­cado. Escreveu sobre o papel: Este é o meu Barquinho de Ouro.
E deu de presente a mãe.

SP, 25 de dezembro de 2009.
Osvaldo Matsuda

Aliens

Pintor de almas elipses
na distância enceparada
faces traçadas de lobos
linhas de fogo albergadas
no sempre estar de mundos obscuros
O que é o fogo?
Território sobrevivente das três leis
implantadas acimóis
Maldade leal, colocar-se para o combate monuclos.
divãs sedentários do corpo extermínio tempo zero
O íntimo líder sacalóide microsulfite.
A queda azar das matrizes polibuladeeno óxido nitroso Blade Ranner
Inconfidência aumentando o seu tempo artificial
Cinzeiro glacial Queóps em oleiros do semi ser
criatura dos massacres
éramos azuis em todas eras
e eles não sabiam
nosso nome era água e nos beberam de morte
num equilíbrio de brilhos inçus
do extermínio subsolar
o prisioneiro Baby lions em eclampsis deletado em Uéslei
Nós somos cemitérios do fogo?
N-GAGE+GAME-ETÊ

Renato Cavalheiro

Os sorrisos de George Bush

Centrífugas de gritos
dos compenetrados de dores horrendas
varridos em eutanásia
nas pastagens capricornianas
Milênios de vísceras aberradoras
de alcatéias dos escrotos ocultos
Ciclones desrompidos em enxames
de valores submersos
Estátuas dos escrementos salubres
Abominações do orgulho esférico
do ceticismo universal do ser
Inacessível dorço em argilas
da criatura
Triagens genéticas
da prepotência do eu absoluto
As voracidades do imediatismo
sobre o horror belo em mutação
Vértebras das escomungações
descalcificadas nos afrescos
da subsistência das origens
Os banidos dos seus pântanos
rompem as muralhas do exílio cultural
em suas glândulas de mutações hereditárias
em necroses

Renato Cavalheiro

Índios do terceiro milênio

Eles não estão mais aqui.
Vejam a exatidão cirúrgica
de suas perfuratrizes.
As cidades em escombros de raízes.
envólucro num silêncio e seus ventos uivantes
Um sopro divino envolto em feiche de luz
em suas sinuosas danças cósmicas dos planetas.
Os jazigos de urânio extraídos
e transplantados nas células da vida.
Os gritos Canaverais dos leprosários
nas extremidades de suas ânsias ejaculatórias
em suas placentas.
Os adormecidos de assombros fluídos
Um olhar assassino goteja na terra
voracidades dos gemelares desnudados de vidas rotas.
Os Gnomos do apodrecer encandescidos de fugas.
Os entardeceres dependurados em seu olhar vermelho gritante.
As razões arrastadas, esmagadas
e sepultadas nos vales dos manicômios.
Os jardins em chamas eternas dos aliens
Abriram-se as pétalas das janelas da inconsciência,
pois já germinou o sol que tateia o horizonte,
pois é todo belo em suas vestes de luz branca.
Deitai os pães da fome aos contorcidos.
Dai o soldo dos perdões aos filhos dos mamíferos
que te dilaceram.
A exata biografia devoradas as vísceras burocráticas
em suas lesmas antagônicas feupudas
no berçário de suas sementeiras étnicas

Renato Cavalheiro

Agaónedai

Na janela bate e rompe-se.
nas viagens dos olhos sem visão
de atalhos, onde pousar suas aves nômades?
Onde se calam em nossos cemitérios de silêncios?
Em seus tentáculos absorvem as vidas.
O animal humano devorando carne
em suas pálpebras lápticas no calor do fogo frio.
Noite de animal girando,
grunhindo em vozes fundidas em ventos.
Uma doce canção para enlouquecer,
mas não era você.
Os corpos magros espectrais
de sepulcros rompidos.
Tão perto é o tempo,
tão longe é o esquecimento da mais última dor
no absinto de olhares.
Muralhas de sombras em silêncio.
Mergulho nupcial das águas
e chuvas ácidas de carícias
ao se morrer em si.

Renato Cavalheiro

Miracatu, um mergulho na gema de sua alma

Miracatu, menino gigante
que adormece no berço do vale esquecido.
Despertai em sua ávida plenitude.
Aguçai seus olhos verdes das florestas
que lacrimejam em silêncio seus ferimentos
Os olhares encantados estrangeiros
sobre suas biodiversidades.
Menino ladino e tímido
como te descobrir sem te ferir?
te conhecer sem te machucar é o desafio
Até quando verás teus filhos partindo de ti
para outras terras em busca de seus sonhos
com a alma dilacerada?
Desperta criança!
de sua semente germina o caule
da nossa coragem.
Pois a ti vieram povos do sul e do norte,
do ocidente e do oriente.
e as estrelas que os guiaram pararam sobre ti.
Em toda sua extensão demográfica
expele o pólen do nosso orgulho,
pois tudo que fere em ti, sangra em nós.
Com suas linhas desalinhadas
cosemos nossos destinos.
O suor de seus filhos
são levados em caminhões
e nos sobram os ingaços da esperamça.
mas mesmo assim acreditamos em suas profecias
que se levantaria de seus ferrolhos
quebrando as algemas humanas
dos sádicos antílopes da lei.
Em seu grito espectral de liberdade
trincam os gélidos olhares do descaso
e é por estas lacunas que vão se esgueirando
nossas esperanças latentes.
Pois em seu solo estão sepultados
os umbigos da mordaça hereditária.
Dos poros de suas montanhas
verte a água doce que refrigera e cura seu povo.
A seiva vital de sua juventude
é o néctar de toda vida.

Renato Cavalheiro

ANOTAÇÕES








Pata de vaca,



Sete sangrias,



Gervão Roxo,



Mostarda,



Tansagem...






Achei essa poesia,



No meu caderno de anotação.






Deve servir pra alguma coisa!






Juá de Capote,



Fedegoso,



Babosa,



Folha de Batatinha...






Carobinha,



Erva de Santa Maria,



Trapoeraba Roxa...






Ah! Já ia me esquecendo:



Maria Preta.






Com certeza!



Deve servir pra alguma coisa



Cada verso



Dessa poesia!!!

Fome luz

Alimento vitamina
Sobra alimento
Fome luz
Uma estrela caiu
Da janela da esperança
Onde está a balança?
As galáxias se encontraram...

UM AGRADECIMENTO

Um dia descobri que vivo em um bosque,
Vivo em um bosque em paz com os leões,
Todos bichos em busca de seus perdões,
Respirando um ar com um pouco de oxigênio...

Descobri, como amo esse verde das matas,
E o cantar dos pássaros fazendo alvorada,
Sou feliz, tenho saúde, moro em casa alugada,
Posso mudar de lugar a qualquer momento...

A enxente passa longe desse alto barranco,
Meu aniversário não passei em branco,
Cantei com meus amigos: "No Rancho Fundo"...

Meu teto esteve seguro, eu tinha um balde,
Que ficou cheio de roupa suja no banheiro,
Tive saúde, sossego, não ganhei dinheiro...

Sabe, ainda assim só tenho que agradecer
Ao Supremo Criador, que me deixou viver,
E amanhecer 2010, com minha família.