O FILHO PRÓDIGO

Eu sou o visitante que veio
E não mais voltou,
mas que está a caminho...

Eu sou a pedra do caminho,
Sou o dedo de quem tropeça,
Sou o soldado ferido,
Sou o bandido rendido...

Sou a janela da penitenciária,
Sou a cama encardida,
Sou a mesa da funerária,
Sou o olhar do vampiro...

Eu sou o escuro,
Sou o morcego que assopra,
Sou a bala perdida,
Sou a tristeza do Jeca...

Eu sou o corte da espada,
Sou a saudade da madame,
Sou o soldado que foi à guerra,
Sou a mãe que ficou triste...

Sou o soco do nocauteador,
Sou a lágrima caída,
Sou o sangue derramado...

Sou a sede do andante,
Sou o amado distante,
Sou o riso do galanteador,
So o sexo do amante...

Eu sou o ar que respira,
Sou a sua contramão,
sou a sua indecisão,
Sou sua noite de insônia...

Eu sou o outro,
Sou o que vai e não volta,
Sou a surpresa da escolta,
Sou o momento de solidão...

Eu sou a saudade sem sentido,
Sou a paixão não correspondida,
Sou a maldade sem arrependimento,
Sou a dor do seu tormento...

Eu sou seu carrasco mascarado,
Sou o olhar do torturador,
Sou o frio do machado,
Do seu eu, sou o calor...

Sou o amor aflito,
Sou o medo do louco,
Sou a peleja na escuridão,
Sou a pura emoção...

Sou esquisito,
Sou feio, sou bonito,
Sou a boca de fumo,
Do viciado sou o pulmão...

Sou o diabo moreno,
Sou o gondoleiro sem remo,
Sou a fúria do mar,
Sou o tornado em movimento...

Eu sou a criança endiabrada,
Que não foi para a escola,
Soa a mãe presa no morro,
Sou a polícia pedindo socorro...

Eu sou o algoz e a vítima,
Sou o que ganhou e o que perdeu,
Sou o que ficou e o que correu,
Sou o que morreu e o que viveu...

Eu sou o carro desgovernado,
Sou o caminhão virado,
Sou o bafômetro do rodoviário,
Sou o motorista embriagado...

Eu sou o vizinho traído,
Sou a mulher sem juízo,
Eu sou o gemido de quem chora,
Sou o prazer de quem ama...

Eu sou o andarilho sem conduta,
Sou o bicho da fruta,
Sou o feto desprezado...

Eu sou a dor de quem ama,
Sou a paixão de quem me chama,
Sou o lar de quem não tem teto,
Sou o buraco da ponte...

Eu sou o óleo no asfalto,
Sou o grito de assalto,
Sou o quebrado do salto,
Sou o tombo na escada...

Eu sou seu pior pesadelo,
Sou o mais tenebroso modelo,
Sou o mais diabólico gesto,
Sou a piada sem graça...

Sou o vivente sem raça,
Sou o rastro da cobra,
Sou a pegada do leão,
Sou a sombra do camelo...

Eu sou o calor do deserto,
sou fantasma de perto,
Sou o choro da criança,
Sou o fio da esperança...

Eu sou o gato que sacode,
Sou o romance proibido,
Sou o fogo do desejo,
Sou a ordem de despejo...

Eu sou a dura melancolia,
Sou a sirene da ambulância,
Sou o olhar do assassino,
Sou a morte que aproxima...

Eu sou o defunto velado,
Sou a tampa do caixão,
Sou o mau cheiro do morto,
Sou o cafezinho servido...

Eu sou o ar de desprezo,
sou o beijo da traição,
Sou o gozo estendido,
Sou o prazer do tesão...

Eu sou a relação terminada,
Sou o crime passional,
Sou o coração do desprezado,
Sou o riso de quem partiu...

Eu sou o amigo fiel,
Da mulher mal amada,
Sou quem te leva flores
E te entrega na entrada...

Eu sou quem te leva pra sair,
Quando você não quer ir,
Sou a dor da hora de parir,
O silêncio que não diz nada...

Eu sou o tédio, sou o assédio,
Sou a liberdade e o cadeado,
Eu sou a corrente e a chave,
Sou nau e sou nave...

Eu sou a reza do sábio,
Solu a praga da bruxa,
Sou a luz da manhã,
Sou o escuro da noite...

Eu sou a cruz e a espada,
Sou a nota da música,
Sou o silêncio da estrada,
Sou o grito do inimigo...

Eu sou o pedido de socorro,
Que quebra a quietuda da mina,
Sou o segredo da prisão de aço,
Sou o braço do escravo...

Eu sou a chibata do feitor,
Sou o sangue que corre do couro,
Sou a lágrima que brota da alma,
Sou tédio, riso e emoção...

Eu sou o confuso que morre de frio,
Sou a água que se esvai depois do estio,
Sou a voz presa na garganta do desesperado,
Que tenta falar direito em direitos...

Sou o riso contido do acidentado,
Sou o calo no sovaco do aleijado,
Sou a partida onde tudo deu errado,
Sou o amor que acabou em separação...

Eu sou o índio curandeiro,
O velho guerreiro da floresta,
Sou o leão da selva de pedra,
Sou o último a chegar na festa...

Eu sou o colega que todo mundo detesta,
Sou o vinho doce que embriaga,
Sou a pinga do bar do Último Gole,
Sou o bêbado caído na calçada...

Eu sou a dívida que não te deixa dormir,
Sou o trote do cavalo com algúem na garupa,
Sou o uivo do lobo na noite de lua cheia,
Sou a estrrela do mar perdida na areia...

Eu sou o frio da chuva que cai sem parar,
Sou o medo de amar de quem se desiludiu,
Sou a saudade de quem ficou e de quem partiu,
Sou o "mico" de quem pagou e sem graça riu...

Sou um pouco de luz e um pouco de escuridão,
Sou um pouco de ar e um pouco de chão,
Se não quiser não tente me compreender,
Se puder, só se puder, me estenda a mão...

Eu sou uma obra divina em meu degrau,
Sou o meu calvário em busca do meu perdão,
Sou a oração que ecoa na vastidão,
Sou o filho pródigo de volta ao meu lar...



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