O POÉTA É O VENTO


O POÉTA É O VENTO

O vento vinha ventando pelos caminhos do mundo. Espiava sobre os telhados, sobre velas de jangadas. Cantava pelas esquinas, ventava pelas estradas.
O vento perdeu o rumo numa noite sem luar e dormiu feito criança sonhando com o seu ventar. Acordou na madrugada ouvindo um galo a cantar e La no alto do monte o vento ficou espiando a cidade despertar. Viu o povo batalhando na procura do melhor, professor professorando, pedreiro a pedreijar. O pastor pastoreando, a criança a estudar. O rio sereno buscando as águas azuis do mar. E o vento encantado, com tudo o que ele via, da cidade enamorado, pelas esquinas corria.
Viu a velha na janela olhando o fim da rua. Ouviu riso de menina, ouviu prantos e canções. Viu na mesa de quem come o que no prato restou, viu mendigo mendigando que com fome despertou.
Viu amor e abandono. Viu tristeza e solidão, viu o pobre e o rico, viu o doente e viu o são. Viu pessoas trabalhando em diversa profissão. O amor abrindo portas, ódio fechando em prisão. Viu um dedo apontando a beleza e a podridão. Muita gente se encontrando, outros perdendo a razão. Viu olhares de incertezas, viu desprezo e safadeza em quem nunca se amou. Viu orgulho, viu pobreza, viu bondade e viu horror. Viu maldade gratuita, coração enganador, viu gentinha se achando ser de tudo o senhor. Viu sonhos desencantados, ouviu gritos de agonia. Amantes desesperados vivendo de fantasias.
O vento quedou-se mudo. Só ventar é o que sabia. O vento nunca pensou que essa cidade existia. Soprou no banco da praça uma brisa de alegria e os casais de namorados o seu beijo ali sentiam. Soprou no adro da igreja e o rezador se benzia. Soprou no supermercado, nos bares e padarias, no varejo e no atacado, na porta do cemitério. Soprou por todos os lados, soprou por sobre mistérios.
Na cidade já desperta, o povo se perguntava:- Que será que acontecia que o vento tanto ventava?
O vento sabia tudo, tudo o que se passava. Corria de casa em casa e a tudo espiava. Passou pelos gabinetes dos mandantes do local. Ouviu risos e palpites, viu o bem e viu o mal. Leu na banca de revistas as notícias no jornal. Viu ladrão e viu polícia, viu os barcos no canal...

O vento ventou mansinho, pois de tudo ele entendia, em sua vida de vento ventava todos os dias. Afastou-se da cidade, sobre a montanha dançou e depois seguiu ventando e de tristeza... Chorou!


GASTÃO FERREIR
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