No bairro de Biguá, município de Miracatu, no princípio do Século XIX, um alemão de nome estrambótico foi o primeiro proprietário da Fazenda Bananal.
Em 1841, essa fazenda foi levada à praça, tendo sido arrematada pelo francês Frederico Luiz Krenchely. Tanto ele como seu irmão Theodoro eram bem jovens quando decidiram se estabelecer no município de Iguape, naquele lugar desabitado e distante.
Frederico era um homem dotado de larga visão e sólidos dotes de cultura. Com energia e entusiasmo, os dois irmãos dedicaram-se à tarefa de organizar sua fazenda. À esse respeito, o jornal "O Miracatu" inseriu, na sua edição de 9/1/1947, o seguinte comentário: “Havia no Rio Bananal a Fazenda Krenchely, sita a margem deste rio, em lugar pitoresco e aprazível. Havia ali uma fabrica de aguardente. Até hoje não se montou em todo o município de Iguape uma tão grande e tão perfeita como aquela que existiu no Bananal.”
Krenchely era senhor de grande número de escravos, seus negócios eram feitos em Iguape e no Rio de Janeiro e sua fazenda apresentava-se próspera e rica. Entretanto, no terceiro quartel do Século XIX, tendo havido enorme queda no preço da aguardente, passaram a correr mal os negócios do lavrador francês, tornando-se ele, em consequência, devedor de grande soma na praça de Iguape.
Em 1864, a falência da Casa Bancária de Antônio José Alves Souto & Cia gerou a mais súbita e dramática crise sofrida pela praça do Rio de Janeiro. A esse respeito, Fernando Monteiro, em seu belo livro “A Velha Rua Direita”, escreveu: “A falência daquela firma, com perto de dez mil credores, repercutiu tão intensamente pelo País inteiro, que Calógeras recorda em sua clássica obra “La Politique Monétaire du Brésil” a tradição corrente segundo a qual nas mais remotas fazendas, por força de tanto ouvi-la, os papagaios constantemente repetiam a expressão: “O Souto quebrou.”
Houve cenas de violência e pânico nas ruas do Rio de Janeiro. A falência da Casa Souto prejudicou os negócios de Krenchely. Em consequência, ele foi obrigado a hipotecar sua bela fazenda e diversos escravos.
Em 1872, os cidadãos iguapenses José Joaquim Egas, José Bonifácio de Andrada, José Carlos de Toledo Júnior, Agostinho José Moreira Rollo e Antônio Vaz Ferreira Júnior, credores hipotecários de Krenchely, promoveram contra ele uma execução de R$ 59.131.816,00 (cinquenta e nove contos, cento e trinta e um mil e oitocentos e dezesseis réis).
Convencido de que perderia a demanda, Krenchely viajou para Niterói. De lá passou Carta de Alforria a seus escravos, tomando em seguida um navio com destino à França. Dele e de seu irmão Theodoro ninguém teve mais notícias.
Eis um pequeno trecho da Carta de Alforria entregue a Fernando Torres de Albuquerque (filho natural de Krenchely): “Eu, Frederico Luiz Krenchely (...), declaro e jurarei se preciso for que tendo por fragilidade humana tido cúpula com minha escrava Luiza de 50 anos de idade, há 31 anos pouco mais ou menos, de que nasceu um filho denominado Fernando, e não podendo por isso conservá-la em captiveiro porquanto deste facto lhe ressalva a Lei sua liberdade (...)”
Em 1845, em Niterói, Krenchely já havia passado Carta de Liberdade a Fernando. Já sua mãe Luíza era livre deste 25 de agosto de 1845 e os nascidos dela também, cujos nomes vão aqui transcritos: Mariana, Benedita, Baptista, Fernando, Ricardo, Estevão e Vicente, e seus netos: Luiza, Bento, Pedro, Lázaro e Rosa, todos eles hipotecados em 1865.
Logo que soube “que se quer avaliar sua mãe”, seus irmãos e seus sobrinhos, para serem vendidos para pagamento da dívida de Luiz Krenchely, Fernando entregou ao Juiz de Iguape a carta que libertava sua família.
Outra Carta de Alforria passada em Niterói dava liberdade aos escravos Bento, Miguel, Henrique, Gregório, Clara e Júlia, igualmente hipotecados em 1865. Na citada carta, Krenchely dizia que tinha usado seus serviços e até feito com eles transações hipotecárias, “verifica agora e com certeza que esses indivíduos foram trazidos da Africa quando já se achava o trafego proibido neste Império depois de 1831, e porque nestas condições não podiam ser escravizados.”
Em Iguape, os credores ficaram indignados. O povo comentava nas ruas da cidade: “Vejam só, o francês passou a perna nos maiorais de Iguape!”
Já os credores tiveram a seguinte reação: “Está por demais manifesta a fraude empregada pelo executado Krenchely, tanto ele tinha convicção de ser um crime o acto que praticou que deixou de fazer inscrever no Tabellião desta cidade aquela alforria, foi fazê-la clandestinamente em Nitheroy na quasi hora de embarcar no paquete Inglês “Obers”, da linha Liverpool a tempo de escapar a ação e sanção da lei.”
No Bananal, os escravos festejaram. Para seus escravos, Krenchely deixou a lembrança de ter sido muito bom. Mas para seus credores...
Fiquei surpreso com o pomposo nome que “nhá” Luiza escolheu para batizar Fernando Torres de Albuquerque, seu filho, cujo pai, como vimos, era Frederico Luiz Krenchely.
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PAULO DE CASTRO LARAGNOIT, historiador, professor e artista plástico, reside em Miracatu. É autor dos livros “A Vila de Prainha” (1984); “Histórias do Vale da Esperança” (1992); e “Laurindo de Almeida” (2007).
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