Madrugada nublada. Havia lua, mas devido ao clima, estava encoberta por nuvens finas.
Dois homens e uma mulher perseguem um outro homem pelas ruas da cidade. Iluminada pelas lâmpadas amarelas dos postes, vê-se apenas os vultos aqui e ali. Finalmente, o homem já cansado, entra em uma ruela com a intenção de despistar seus perseguidores e é frustrado com uma enorme parede fechando sua escapada. Era um beco sem saída.
Encurralado e no escuro, ele vê seus algozes chegarem na entrada do beco, onde havia claridade. Eles se aproximam da vítima. A mulher ao centro e os dois homens pelas laterais. O homem perseguido foi recuando até se ver sem saída. Encosta-se à parede e aguarda. Observa a mulher que se aproxima, aproveitando que a lua revolve aparecer e a ilumina. Tinha um corpo esguio e usava uma máscara. Mantinha os cabelos compridos amarrados em um rabo de cavalo. Parecia ser a líder do grupo. Os outros dois eram fortes com aparência truculenta.Aproximaram-se do homem, acuando-o cada vez mais, até que, quando estava bem próxima dele, ela o atacou.
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Eu estava voltando da balada, de madrugada, e ao passar pelo beco, vi o movimento.
A principio, achei que era um assalto, como tantos outros que haviam acontecido ali. Mas fiquei curioso. Escondi-me atrás de uns sacos de lixo, acumulados na entrada do beco, e fiquei observando.
Eram três, e o do centro, parecia, pelas formas, ser uma mulher. Eles haviam acuado um homem no beco. Parecia mais uma intimidação, pois ninguém portava arma. Assumiam uma postura de ataque, com os corpos levemente curvados, as pernas afastadas e os braços afastados do corpo, tal qual um urso preste a atacar. Não usavam luvas, e nas mãos pareciam... não, não pode ser, mas pareciam... garras.
De repente, a líder saca uma espada curta, de aproximadamente uns 30 cm, e enfia na barriga do sujeito, na altura do umbigo, e vai subindo, numa forma de ritual de morte, até a altura do peito.
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Estava tão concentrado na cena que me assustei quando um rato passou por cima da minha mão.
No apavoramento derrubei um saco de lixo e praguejei baixinho o meu descuido. Instantaneamente os três olharam na direção da entrada do beco. Fiquei bem quieto, achando que eles voltariam a se concentrar na vítima, quando a líder disse quase rosnando.
- O que estão esperando? Vão ver o que foi isso.
Os dois brutamontes vieram na minha direção, com extrema agilidade. Saí correndo tentando tomar uma dianteira deles, mas eles eram rápidos. Comecei a entrar em vários terrenos, pulando cercas e grades para ver se atrasava um pouco o avanço deles, mas creio que os subestimei, pois apesar de grandes, eles faziam os mesmos movimentos e melhores.
Consegui subir em cima da laje de uma casa e fui passando de casa em casa, até que cheguei em um espaço vazio.
“Mas que droga, tinha que ter uma piscina aqui?”.
Quando olhei para traz, o sol já estava quase nascendo e os dois quase me alcançando. Sem pensar, atirei-me na piscina.
Se tivesse olhado, teria visto que um deles, ao perceber a claridade do alvorecer, pulou no vão entre duas casas e se escondeu embaixo dela. O segundo estava no meio da laje, quando percebeu o que estava acontecendo. Já era tarde de mais, a luz do astro rei o atingiu em cheio. Sem ter onde se esconder, virou cinzas no mesmo instante, vaporizando-se. Suas cinzas se espalharam pela piscina, levada pela brisa da manhã.
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Algum vizinho curioso ouviu o grito desesperado na madrugada e chamou a policia, através do disk-denúncia.
Os investigadores começaram a analisar a cena do crime, coletando evidencias e entrevistando testemunhas, até conseguirem um retrato falado de uma pessoa, que saiu correndo do beco.
ooo
Saí da piscina, com as roupas pesadas e pulei o muro do terreno, caindo do outro lado, todo desajeitado e ofegante. Quando me virei para conferir meus perseguidores, reparei que tinha sumido.
Resolvi sair o mais rápido possível daquele terreno, antes que alguém começasse a achar ruim. Não tinha outra forma de sair do terreno sem passar em frente das enormes janelas. Tinha um menino assistindo desenho na sala, nem ia perceber eu passando. De repente, ele me olha e fica me encarando. Sem mais nem menos, ele dá um grito, chamando a mãe.
- Manheeeeeeee. O homem da televisão ta aqui na janela da sala.
Sem entender o que o menino quis dizer, fiquei olhando a tv. A policia estava veiculando um retrato falado do assassino do beco, com um numero de telefone logo abaixo. Era o meu retrato.
Eles estavam pensando que eu era o culpado pela execução no beco.
Percebi que não era seguro ficar à vista. Saí daquele terreno e fiquei andando pelos cantos, desviando de ruas muito movimentadas.
Já era tarde quando vi uma viatura se aproximando e entrei em uma livraria para me esconder.
O policial passou com a viatura, olhando para a livraria. Deu um cutucão no parceiro, mostrando o retrato falado e, em seguida, deu meia volta, parando em frente ao estabelecimento.
Do outro lado da rua, olhos amarelos acompanhavam tudo.
ooo
Um dos policiais entra na livraria, enquanto o outro fica no carro, passando a situação pelo radio.
A livraria não é muito grande, o policial logo me vê e vem na minha direção. Tentei escapar, mas vi, pela vidraça, o brutamontes do beco atravessando a rua e vindo na direção da livraria. Em vista das possibilidades de sucesso, achei mais vantagem ir com o policial. Quando vi o policial se aproximando, me ajoelhei e coloquei as mãos na nuca, demonstrando com esse gesto, que não iria resistir.
Os clientes haviam se afastado, pois o policial se aproximava com arma em punho, dando voz de prisão.
ooo
O policial do carro estava falando no rádio e atento a ação na livraria. Quando desligou o rádio percebeu um movimento à sua esquerda, do lado de fora. Um homem grande e forte com aproximadamente 1,80 cm se aproximava da viatura, as mãos para fora dos bolsos, não aparentava representar perigo. Calmamente, com a mão direita, o policial destravou a capa do coldre.
O individuo chegou bem perto da viatura e se abaixou, para ficar na mesma altura que o policial dentro do carro.
- Pois não cidadão? Em que posso ajudá-lo?
- No momento, preciso de uma “forcinha”. – e sem nenhum aviso, colocou a mão no ombro do policial, segurando firmemente.
O policial tentou se libertar, mas a mão do sujeito o prendeu como garra, entrando em sua carne através do uniforme, e do colete à prova de balas.
Aos poucos o policial começou a parar de se debater. Seus cabelos começaram a ficar brancos e sua pele enrugada. Estava envelhecendo enquanto sua força vital estava sendo drenada, ao tempo que o sujeito ia assumindo as feições do policial, seus olhos assumindo um amarelo mais intenso. Ao final, a cabeça do policial, já morto, pende para frente, pressionando a buzina por um tempo, até se transformar em pó, sobre o banco da viatura. Enquanto isso o metamorfo se dirige para a livraria.
ooo
Dentro da livraria, o policial ouve a buzina sendo acionada, e fica indeciso entre render o prisioneiro ou ajudar o parceiro. O som pára de repente e ele volta sua atenção para o prisioneiro, quando seu parceiro entra na livraria.
- O que foi aquilo Nestor?
- Nada.
Sem aviso, o metamorfo segura o policial pelo pescoço com apenas uma das mãos e o ergue do chão. Com o movimento do braço e fazendo pressão com o polegar, o metamorfo quebra o pescoço do policial e o solta no chão. O homem cai como um boneco, todo torto, em posições antinaturais.
Quando ele veio na minha direção, fiquei apavorado. Se ele fez isso com um policial treinado, imagine comigo.
Conforme ele se aproximava, meu peito começava a queimar. Abri a camisa e puxei para fora o colar que meu avô tinha me dado. Era uma corrente fina com uma pequena pedra vermelha pendurada. Ela pulsava como se tivesse vida própria.
Ao avistar a pedra na minha mão, o metamorfo cessou o avanço. Parecia temer a pedra, ou admirá-la.
Conforme eu apontava a pedra para ele, a intensidade do brilho aumentava, e ele recuava ainda mais.
Comecei a ter uma ponta de esperança, coloquei a pedra na sua frente, e tomando coragem, comecei a avançar em sua direção.
Enquanto eu ia chegando mais perto, o rosto dele ia mudando de forma, acredito que eram todas as identidades que ele assumiu.
A criatura foi se afastando até ficar encurralada. Segurei bem firme a pedra e coloquei bem perto da criatura. A pedra vibrava na minha mão e estava muito quente. De repente, o metamorfo, começou a ficar disforme, tomando a forma de pequeno ciclone e vindo na direção da gema, em uma espiral nebulosa, sugada por um feixe de luz vermelha emitida pela pedra. Finalmente o raio de luz se recolhe, tragando o metamorfo para dentro dela, para dentro da pedra, que volta a ficar fria e sem vida.
Resolvi sair dali rápido. Os dois policiais, provavelmente já pediram reforço, e não seria inteligente permanecer no local, com dois policiais mortos.
Meu plano foi por água abaixo, quando vi parada na porta a mulher que executou o cara do beco. Ainda estava vestida toda de preto e tinha na sua mão direita a espada.
Olhava-me com raiva. As unhas de sua mão esquerda se alongaram, parecendo garras. Estava curvada para frente com as pernas levemente abertas, em posição de ataque. Pequenas presas, alvas e pontiagudas, brotaram de sua boca.
A intenção era clara, me matar. Eliminar o único elo da corrente de eventos que a ligava ao assassinato.
Tentei usar a mesma tática que havia usado contra o metamorfo. Apontei a pedra para ela, mas nada aconteceu, havia algo errado. Percebi um leve sorriso em seu rosto. A pedra estava sem vida, não tinha mais aquele brilho rubro e intenso. Meu avô disse que a pedra de “Fenraht” era um forte amuleto, mas eu nunca imaginei contra o que ela deveria me proteger.
- Essa pedra não tem o mesmo efeito sobre mim, garoto.
Com um sorriso amarelo, perdendo a confiança, comecei a me afastar, ainda com a pedra na mão, com a esperança de que de repente, ela voltasse a funcionar.
Sem aviso algum, e com a agilidade de um gato, ela saltou sobre mim, com a espada em punho.
Eu caí sentado, com os dois braços cruzados sobre o rosto, tentando instintivamente me proteger do derradeiro golpe, desejando apenas que nada daquilo estivesse acontecendo.
Automaticamente, a pedra começou a brilhar. Um brilho diference, verde que aumentou de intensidade, envolvendo nós dois. Tudo parecia em câmera lenta.
ooo
Eu estava voltando da balada, de madrugada, e ao passar pelo beco, vi o movimento. Imaginei que fosse mais um assalto. Peguei meu celular e liguei para a policia e dei meia volta, escolhendo outro caminho. Estranhamente, a jóia que eu carregava pendurada no pescoço, sem que eu percebesse, foi aos poucos perdendo o brilho.
Fim
Obs. 3º lugar no concurso de contos do Overlook Hotel.
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