J. MENDES, UM POETA


J. Mendes.

João Albano Mendes da Silva, apesar de viver quase toda a vida em Eldorado, nasceu em Sete Barras no dia 26 de setembro de 1918, filho do casal Tibúrcio S. da Silva e Maria Eugênia de França.

Cedo transferiu-se para Eldorado, onde durante muitos anos exerceu o cargo de cartorário no Fórum local, profissão na qual se aposentou.

Foi casado com Maria Helga Ferreira Mendes (a D. Nenê) e teve uma única filha, Maria Dulce, tendo adotado outros dois: Roberto (também poeta) e Débora.

Fundou a Casa do Poeta Francisca Júlia e a Academia Eldoradense de Letras em 3 de novembro de 1979. Por essa iniciativa pioneira, aliada a um intenso trabalho cultural ao longo de toda a vida, recebeu o título de Cidadão Eldoradense, através do Decreto nº 2, de 29 de agosto de 1985, de autoria do vereador Rubens Mariano.

Em sua longa vida de literato e jornalista, recebeu inúmeros prêmios, diplomas e honrarias, entre os quais:

- Sócio Honorário da Academia Internacional de Letras e Artes do Círculo do Amor à Vida (1981).

- Menção Honrosa da Ordem do Campeador (1984).

- Sócio Benemérito da The International Academy of Lethers of England (1985).

- Honra ao Mérito do Clube dos Escritores, Trovadores e Poetas de Conceição da Barra, CETPCB (1985).

- Honra ao Mérito, pela Academia de Letras Municipais do Brasil (1986).

- Menção Honrosa da Academia Petropolitana de Poesia Raul de Leoni (1986).

- Magnífico Trovador, pela Ordem Brasileira dos Poetas e Literatura de Cordel, de Salvador, Bahia (1986).

Em sua vida pública, exerceu a vereança em duas legislaturas: 1948 a 1951 e 1952 a 1955, pelo antigo Partido Democrático Social (PDS).

Faleceu aos 79 anos no dia 25 de maio de 1997, quando já era uma lenda viva no cenário literário e intelectual do Vale do Ribeira.

Deixou mais de três mil poesias.

POESIAS DE J. MENDES


LONGE

Às vezes fico espantado:
É que procurando-me,
Buscando-me
Não me entendo em mim!
Onde estarei?
Para onde fui?
Onde andarei?
– Pergunto, aflito,
Procurando-me em vão,
Em vão me agito,
Cansado, desolado,
Preocupado,
Sem no entanto
Encontrar-me
Nem dentro de mim mesmo,
Em nenhum recanto do meu ser.
É que parti!
Estou longe, na distância,
Longe, bem longe mesmo,
Viajando nas asas da saudade,
Percorrendo a distante aldeia da infância,
Procurando a felicidade que perdi.

(Jornal Na Hora, nº 387, de 3l/5/1997)

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REENCONTRO

Há na vida um momento misterioso,
Uma fração de tempo, no infinito
Em que nos encontramos conosco mesmo
E descobrimos a alma procurada,
Que, como a nossa, vagava a esmo,
Sem teto, sem pão, sem ter moradia.
E no encontro das almas – que apoteose!
Uma para a outra além criada,
Distante uma da outra vivia em vão;
Mas reencontradas, êi-las que seguem
O caminho sideral e sem limites
Dos que são livres e felizes são.

(Jornal Na Hora, nº 387, de 3l/5/1997)

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MEUS MUNDOS

Em pensamento criei mundos,
Acendi astros
Na cúpula dos céus...
Plantei florestas,
Criei rios,
Em cada galho deixei um pássaro a cantar
Imaginei dias bonitos
E noites calmas, de luar...
Uma esperança fixei em cada arrebol!
Plantei flores em todos os caminhos
Só flores – não semeei espinhos,
E pelas estradas só havia sol!
Eliminei dos mares os escolhos
E nas encostas não coloquei abrolhos
Nunca inventei e nem pensei em tempestades;
Mas foi justamente aí que errei:
Vieram os ventos, vieram as águas,
E me afoguei num turbilhão de mágoas,
Dentro dos próprios mundos que criei...

(Jornal Na Hora, nº 387, de 3l/5/1997)

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SANTUÁRIO DO BOM JESUS

Santuário do Bom Jesus, feito sobre areia,
Edifício majestoso de fé e de beleza,
Coluna da verdade de onde a oração se alteia
Na expressão melhor de sua firmeza.

Ao ver-te de longe minha alma se enleia,
E o pensamento elevo, na certeza
De que existe um Deus que a fé incendeia
No coração do povo, em toda profundeza.

Santuário do Bom Jesus! Ó palácio austero
Que desafia o tempo e o mundo fero,
Por sobre a areia edificado, embora.

E a procissão infinda de romeiros
Que vem a ti desde os primeiros,
Continuará pelos séculos afora.

Eldorado, 1951
(Jornal de Iguape, nº 7, de 7/4/1951)

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MINHA OFERTA

Senhor!
Nesta Quaresma,
Neste tempo de penitência,
Não tenho, como Madalena,
Perfumes, para ungirTeus pés...
Quisera ungi-los com amor,
Perfumá-los com ardor,
E não podendo assim fazer,
Compunge-me a alma tamanha pena.

Senhor!
Venho trazer-Te tudo que possuo,
Aos Teus pés na cruz pregados,
E de tudo eis a doação:
Trago-me inteiro, que sou todo pecados
Mas também o desejo imenso de ser bom.

Eldorado, 1954
(Jornal de Iguape, nº 39, de 8/3/1955)

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FLAGELAÇÃO

Ataram Jesus à coluna
E flagelaram-no impiedosamente.
– Grande culpado era!

Foram meus pecados, ó Senhor,
Que repetidamente
Vos fizeram sofrer assim.

Mas, ó meu grande amigo e bom Jesus,
Si vos abandonei naquele transe amargo
Deixando-vos só em meio a ignomia,
Não me deixes a sós,
Si o mundo mau me flagelar, um dia...

Eldorado, 1954
(Jornal de Iguape, nº 40, de 15/3/1955)

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QUANDO ELAS PASSAM

As saudades passam, em bando,
Na tarde azul!
Revoam, calmas, silenciosas,
Ao bater do velho sino,
A bater, a gemer,
Na Ave Maria!...

Há misticismo no ar,
Há bater de corações
Dentro dos peitos, a arfar;
Há pensamentos ao longe,
Na tarde azul,
Quando as saudades passam, em bando...

Eldorado, 1954
(Jornal de Iguape, nº 41, de 23/3/1955)

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MULTIPLICAÇÃO

Com aqueles pães,
E aqueles peixes,
Pouquíssimos que eram,
Jesus operou a multiplicação
E saciou a multidão.

Milagre divinal,
Sem dúvida!
Mas, milagre maior,
Incomensurável,
Quasi incompreensível
De amor e caridade,
Ah! dos puros, – a sacrossanta via
Para o céu, –
É a multiplicação mesma de Jesus
Na Sagrada Eucaristia.

Eldorado, 1954
(Jornal de Iguape, nº 43, de 10/4/1955)

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VOAR

Não importa que os pés
Estejam presos à terra
E nem importa que o corpo
Sofra, como tem de sofrer
As conseqüências da luta...
O que importa é que o pensamento
Voe alto, muito alto,
Sobrepaire à uma contingência,
E busque, lá no alto, muito alto,
Toda a beleza de que a alma necessita
Para compreender e amor ao Criador.

Eldorado, 1954
(Jornal de Iguape, nº 45 de 30/4/1955)

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PRECE MATINAL

A madrugada alfaiou o cabeço das serras
De orvalho cintilante,
Formando candelabros
Nos galhos das árvores...
E o incenso da neblina
Foi aos vales
Para incensar o céu...
O coro orquestral das aves puras
Acordou a mata.
O sol veio vindo, cauteloso:
-- Era manhã!
O Ribeira passou, então,
Recitando a prece matinal.

Eldorado, 1954
(Jornal de Iguape, nº 49, de 9/6/1955)

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CIDADE VELHA

Minha cidade vai ficando velha!
As ruas, vão, cada vez mais,
Mais minguadas de casas vão ficando.
E as casas, esparsas, tão distantes,
Sentem saudades das outras que existiram...
As casas são como a gente:
Sentem saudades das irmãs
Que os homens inconscientes demoliram...

(Jornal de Iguape, nº 63, de 2/10/1955)

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ELA ESPEROU...

Ainda era bem manhã, quando
Ela sentou-se à beira do caminho,
E, sozinha, ficou esperando, esperando
O esperado alguém que nunca veio...
Levas de sonhos por ali passaram
E a viram olhando, sempre olhando,
O caminhante que nunca apareceu.
Esperanças passaram por ali, também,
Noites e dias, intérminos, seguidos,
Ela ficou ali...

E hoje, quem por ali passar
Verá à beira do caminho,
Não uma mulher esperando alguém,
Mas uma estátua apenas, desenhada em prantos,
Imagem somente do que foi,
Coroada, agora, de cabelos brancos.

Eldorado, 1954
(Suplemento Literário do Jornal de Iguape, 1955)

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